Acho que é chover no molhado falar mal da cerimônia do Oscar, ou das escolhas dos prêmios, ou da atenção supostamente exagerada que damos ao Oscar, e não tenho mais muita disposição para criticar isso porque sabemos que é um evento que não vai mudar. É uma festa para os produtores, uma grande vitrine das pessoas que bancam o cinemão americano (com migalhas para outros países) e das estrelas que se esforçam para defender seus papeis “sérios” na carreira. Mas tem duas coisas que me saltaram aos olhos vendo ontem pela TV e que resolvi escrever sobre.
Uma, todo mundo sabe, foi o “selfie” à la Calçada da Fama que a apresentadora Ellen Degeneres fez com Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Julia Roberts, Meryl Streep, Kevin Spacey e grande elenco, que acabou se tornando a imagem mais compartilhada da história do Twitter – um tipo de feito que não serve de quase nada, pois será facilmente superado pelo próximo evento global da vez. Mas isso e as entregas de pizzas ao vivo valeram como símbolos de 2014 para a eterna busca dos produtores da cerimônia para reencontrar o público jovem. Selfies, Twitter, famosos bonitos e sorridentes sendo gente como a gente. Deram certo pela piadinha, por desglamourizar um pouco que fosse a caretice, mas até que funcionaram como marketing (a Samsung certamente pagou uma nota por isso) e como estratégia também, pois a audiência do Oscar cresceu 7% em relação ao ano passado nos EUA. É a Academia se adaptando à Geração Y: uma imagem boba e simpática valendo mais do que mil agradecimentos aos profissionais dos filmes.
A outra coisa a comentar vem desde as indicações. Não pretendo entrar na discussão se todos os filmes indicados são bons filmes ou os melhores de 2014, até porque dos concorrentes nas principais categorias só vi até agora “Gravidade” e “O Lobo de Wall Street”. Só acho que tivemos quase nada relevante em termos de 2014. “12 Anos de Escravidão” fala de racismo, ok, mas a escravidão como prática comum morreu no século retrasado. E tivemos “Ela”, que tenta ser uma crônica sobre estarmos transformando a tecnologia em nossa amiga ou amante. Mas “Gravidade” é uma história banal sobre uma astronauta perdida no espaço e só vale mais pelo mérito técnico. “Nebraska” e “Philomena” são contos sobre velhinhos. “O Lobo de Wall Street” é outro filme histórico deslocado.
Estávamos vendo até este fim de semana vários países explodirem de tensões internas, como a Ucrânia, Síria, Tailândia, Venezuela e veja bem, até o Brasil. E nenhum filme que foi exposto na cerimônia de ontem está sintonizado com esses conflitos. O indicado mais interessante nesse sentido, “The Act of Killing”, sobre o poder local e genocídio realizado por gângsters a serviço da ditadura da Indonésia, perdeu o Oscar de documentário para “A um Passo do Estrelato”, sobre… backing vocals.
Não dá para cobrar que toda a produção de cinema, como de qualquer arte, se torne completamente politizada. Arte é mais que isso. Só lamento que o Oscar deste ano tenha partido para o extremo oposto disso: uma grande e desnecessária alienação.
Um novo “Brokeback Mountain” em tempos de Rússia e Uganda segregando gays não cairia nada mal hoje em dia. Só para ficarmos em um exemplo.
O relato e os vencedores de ontem estão aqui.
P.S.: Aqui tem um post bem oportuno sobre como Benedict Cumberbatch correu por fora e aproveitou o evento para firmar seu nome como “o cara” de Hollywood hoje.
P.S. 2: Cate Blanchett ganhou prêmio e agradeceu Woody Allen no discurso. Esse momento Mia Farrow e sua filha Dylan terão que engolir.